domingo, 6 de julho de 2014

O Trovador Outonal

As folhas deste outono estão deitadas sobre o solo
Não sei se é possível contá-las
Aliás nem sei que outono é este
E tampouco se estas árvores sabem alguma coisa
Sobre mim

Eu consigo ouvir o vento cantando
Músicas muito antigas
Feitas por compositores muito antigos
Melhores que Mozart, melhores que Bach
Melhores que Strauss e Beethoven
Melhores que eu e você e qualquer coisa que nossos netos possam se tornar
Composições maravilhosas que o tempo desfolhou
E não serão ouvidas nunca mais

Ah, quantas revoluções se passaram
Nesse campo do desconhecido!
Quantas nuvens passaram no céu que não conseguimos observar!
Quantos obras primas o tempo simplesmente decidiu apagar!
Quantos infinitos se perderam depois que tudo passou?

No fim só sobram as pessoas
E depois elas vão também

Aqueles compositores se foram e sequer deixaram folhas
E se deixassem não serviriam de nada pois nada haveria que se escrevesse nelas
Talvez porque nossos cérebros pensassem em linguagens diferentes
Apesar de nossas almas sentirem em intensidade igual

Ou talvez tenham deixado
Alguma coisa escrita numa pedra qualquer
Jogada por aí
E nós encontramos! Sim, encontramos!
E cientificamente a aprisionamos na condição de uma runa antiga
A ser friamente analisada por microscópios assépticos
(Que sequer tem ouvidos!)
Prontos para encontrar qualquer clichê da simbologia antropológica nas linhas do trovador

Não
Muito improvável
E aliás isso nem faz sentido

Pensando bem, eles deixaram muitas folhas
Nesse outono eterno
Que é o mesmo desde que nós somos homens e as folhas são folhas
E ambos caímos

Sim, essas folhas que deixaram
Dentro do trovador um sentimento
Deixam em mim a mesma coisa
Fazem vivo o trovador dentro de mim
Deixam que ele toque dentro dos meus pulmões cheios desse ar outonal
A música que fez para estas árvores

Conforme caem essas mínimas alaranjadas
Sobre um solo
Meus olhos fazem respirações semibreves
Não penso em nada e o vento

O vento continua cantando

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