segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Canção da Realidade

A realidade nos assalta a todos de diversas formas
Por diversos lados.
De uma forma ou de outra o absoluto nos trai
E os números nos passam a perna.

É difícil viver num mundo
Feito de seres imperfeitos
E de muitos seres imperfeitos
E imperfeitamente ser um destes muitos
Dentre outros e mais outros.

As tuas facilidades não importam muito
Há sempre um lado
Pelo qual tu podes ser derrubado.

Nenhum homem pode ter nascido em dois lugares
E isso me faz ver que há coisa que nós de fato
Não escolhemos; no entanto, elas acontecem mesmo assim.
Ainda podemos aprender, não?
Posso falar várias línguas e estar em vários lugares
Ao longo da minha vida e assim serei como
Um homem cosmopolita que vem do mundo inteiro.

Hoje ainda posso significar-me com a ponta dos meus dedos
E estarei em vários lugares ao mesmo tempo.
Posso ser mesmo um deus
Com a onipresença da fibra-ótica

Mas a realidade é outra
Ainda sou menos que nada
E a minha pátria é onde não estou.


Ah, multicoloridos são os homens!
Grandes são as nossas cidades e os motores
Das nossas indústrias de base! E grande também é
O abismo que nos separa, os homens. O abismo a que
Alguns sábios já chamaram sociedade.
Grandes são os meus desejos e isso não muda
A realidade. Ela ainda é voraz.
Ela não está de fato ligando para o que eu quero,
Somente se posiciona com todas as suas armas
No microcosmo do fracasso
Apontadas para todas as possibilidades da minha vida.

Eu queria muito me casar com ela.
João queria passar no vestibular.
Maria queria conseguir um aumento.
Simone faria de todo por uma outra chance.
Ricardo queria ser grande, ser rei, ser inteiro.
Álvaro só queria chocolates.
José queria um filho homem.
Priscila queria encontrar o amor verdadeiro.
Eu e ele e ela e todos eles e também você
Todos queríamos ser felizes.

Mas a realidade
É sempre outra.

Tique-tac

Porque a vida corre,
o tempo morre e não te espera.
Enquanto o tempo fica,
nada implica em progresso.
E, pra "tal" desordem,
só precisa um contratempo.

Já que se acelera
e
a vida
não te espera,
por que não

uma volta
enquanto o tempo pára?

Os segundos passam
como diamantes em vitrines.
Já que tudo é agora,
como que você
não demora?
Já que tudo demora,
como você
vive o agora?

Porque o tempo corre
e se corre contra o tempo,
se concorre a contra tempos,
se concorre contra vidas.

E se discorre a tal vingança
quando o tempo se acelera
e a ideia se dispersa
e de tanto viver o tempo
a vida, vivida,
ah, a vida...
já morreu.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

O Vale dos Sentimentos Pequenos

"You don't care about how I feel,
 I don't feel it anymore!" Atwa, System of A Down

Queres saber quais são meus sentimentos?
Meus sentimentos são todos pequenos.
Pequenos sim, pequenos como qualquer coisa
Não grande. Meus sentimentos são pálidos
São coisinhas sem sal e sem nenhuma graça
Não diferentes de um sujeito estranho qualquer,
De uma nuvem cinza que passa.

Não, meus sentimentos não são grandes
E meus pensamentos não são todos sensações.
Às vezes é difícil percebê-los
E mais difícil ainda diferi-los uns dos outros.
Meus sentimentos são mornos e frágeis e, sobretudo,
Meus sentimentos são pequenos.

O mundo - o grande mundo -  que passa diante dos meus olhos
Que tanto me animara porque vivo e nele
E porque gira e porque sou parte dele
O mundo não é capaz de aumentar meus sentimentos.
A doce música das coisas penetra nos meus ouvidos
Eu a vejo invadir-me e possuir meus nervos
E copular neles como sempre fez e eu sempre quis
Eu vejo a música passar e ela vai embora.

Tudo que existe se mergulha em mim e passa. Entra em mim e passa.
Não absorvo nada. Não aprendo. Não vislumbro. Não detenho.
Não absorvo coisa alguma.
É tudo meramente, infinitamente e inevitavelmente
Passageiro.

E muitas coisas me atravessam todos os dias
Com velocidades absurdas, ensurdecedoras
Toneladas de palavras, de fotografias
Com filtros e sem filtros de fotografias
De vídeos e montagens e notícias
Todas e quase todas as mídias
Histórias de gente que vem e que passa
Que vem e que passa

Todos esses redemoinhos de signos explodem na minha cara
E eu não digo nada
Não faço nada
Nem penso nada
Porque não sinto nada.

Por isso quando hoje escuto uma música
Que há pouco gostava muito
E ela não significa mais nada pra mim.
Porque ela faz tanto sentido na minha cabeça
Que deixa de fazer sentindo na minha alma.
Porque tudo é tão nítido e tão nulo.

Porque, entre as montanhas do meu peito poeta,
Existe um vale de sentimentos pequenos.

domingo, 21 de setembro de 2014

Quando o Álcool Acaba

Quando o álcool acaba, é muito triste.
Toda a humanidade da festa entra em colapso
quando o álcool acaba. Isto
é um fato.

Aquele cara que está deitado sobre a sua
namorada e sobre aquele sofá onde um dia
há muito tempo mesmo algumas pessoas sóbrias
já estiveram sentadas
Aquele cara dorme chorando
Quando o álcool acaba.

E dentro dos sonhos dele
Tudo são lembranças vagas que ele não quer ter
Mas que ele não vai conseguir apagar mais
Porque elas não se acabarão
Assim como o álcool.

E não adianta todo o esforço de Hércules-bebaço
que ele possa tentar fazer.
Nenhuma sopa primordial
Nenhuma radiação dos rolês
Nenhum guru do mundo das drogas
Irá aparecer para miraculosamente salvar a festa
E transformar a água em álcool.

Quando o álcool acaba
As questões da vida começam a roer os cérebros em festa
Pouco a pouco
E a diversão vai ficando raquiticamente magra
E doentia, convalesce e gorfa
Sobre os homens e as mulheres.

Quando o álcool acaba
Logo ele começa a se tornar aldeído
Que logo começa a se tornar ressaca
Que logo começa a se tornar arrependimento
Dentro dos corações mal fermentados.

Sim, minha querida, eles viram os teus mamilos
Enquanto tu dançavas loucamente naquela bagunça
Etílica e burguesa
Viram tudo, viram-te nua e destilada
Viram tudo e tem fotos

Estou falando contigo, senhorita Liberdade
Sua puta!
Por quê, minha querida, por quê permitiste
que o álcool acabasse no meio da festa?

O rolê expirou como um antivírus pobre
E o veneno - a única coisa que jamais pode faltar -
morreu.

Agora ninguém mais vai conseguir esquecer nada
E tampouco lembrar de alguma coisa.

Quando o álcool acaba
A vida volta a haver.


sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Resistência.

talvez eu devesse me amarrar na cama
mas falar com você me dá mais energia que dormir minhas 6 horas
tranquilo ou exausto, a insônia me chama
e a noite me permite ver tuas auroras

ultimamente venho escolhido o caminho de menor resistência
aquele em que a dor demora mais pra me encher
e se posso escolher quando transbordar minha consciência
prefiro que seja na solidão do amanhecer

que tensão é essa que me atrai? essa vontade de punição
achei que houvesse acabado com a instabilidade
mas só escondi de mim mesmo a munição
e minha memória é uma neblina, mesmo sob a tempestade

mas não se assuste, não quero me lembrar
se teu medo for a volta de meu costume
acalma em meu peito, termina de chorar 
gosto de amarras em meu pulso, mas prefiro teu perfume

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Como é Bom Rir

O mato morreu.

Um gato miou,
e virou adubo
pro mato crescer
e morrer.

Uma chefe de Estado
assinou coisas bobas
e afagou seu bichano
que miava num brejo
e cresceu, só, com ela
para decompor no solo
onde a mata inteira
cresceu, foi comida,
usada e perecida.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Venci

O papo que se papa
na mesa da janta -
enquanto não se passa:
nem a salada de frutas
nem a salada de alface
nem a salada de verdade
nem a face direita
nem a face à tapa
nem a salada mista
nem a nota fiscal
nem o partido político
nem a discussão de verdade
nem a discussão da verdade
nem a salada dos fatos e pontos de vista -
nem a garganta mais profunda
(que coisa mais sem decoro!)
engole.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Lise

A planificação astral -
e bobo seria algo referente a signos -
traz a luz do sol aos olhos que enxergam,
e que tanto tentam
mas não conseguem negar
a existência do mais podre, puro e potente:
o sangue.

Sangue não de artéria, nem de veia, nem de vinho:
sangue de vida, de terra, da Terra.
Coisas andantes, voantes, volantes e voláteis
sem pressa de nada a não ser existir
(e todo o resto que está pressuposto por alguns livros em específico
que não seriam de bom tom discriminar),
viver, beber e cair
de vida.

E levantar.

Abra os olhos (ou um título mais chique em espanhol que tem a ver com o Tom Cruise)

Uma ex-finge
que diz ser leão enquanto nem miar
sabe...

Um detento-de-si
sedento por reputação
ao invés de
ação?
Que mancada!

Sem perna que nem saci
e menos cabimento que um ornitorrinco
(pois, né, convenhamos!...)
e um bico de pato que não dá pra esconder
mas faz questão de pintar de marrom
(só pra fingir o não ter, ou o ter-sem-ter),
um desaforo.

Cem paredes, sem teto.
Só de si, um arquiteto!
Onde já se viu?
No espelho.

Agora, olhe.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Quando a Palavra Mandava

Se recordam de
promessas, mentiras e
combinações?

Quando contratos
decidiam mortes, genocídios
e assaltos? Sim!

Pois já houve um dia -
mais injusto e desigual, escravista, feudal -
onde o "sim" era assim pra todo o sempre
(até que alguém o traísse, mas aí era forca)

E veio a mentira,
ecoando, em vida
e em morte de um amor traído pela mão de si próprio.

Isso no tempo que o Verbo foi criado, desde então...
se dá um jeitinho. Aquele jeitinho.
Nosso jeitinho.