segunda-feira, 23 de abril de 2018

Cronos

conheço um monstro que
se alimenta de momentos bons;
procura só aquilo que pode dar prazer,
para saciar sua fome
que é imensa.

mas quem pensa que comer felicidade
o satisfaz, se engana. Porque o
que ele come não se transforma em vida,
ou em morte,
mas em nada. Ele destrói tudo
que absorve, até que pareça
absurdo supor que aquilo já tenha
existido um dia.

e não se sacia.
come risos, orgasmos, promessas
e não se sacia.
come jogos, filmes, brincadeiras
e não se sacia.
come fogos, ano novo e a Páscoa
e não se sacia.
come passeios a praças e feiras
e não se sacia.
come tudo até que não sobre nada,
e o buraco negro que existe dentro de si
não se satisfaz nem com a destruição total
da existência.
pois sabe que ainda há algo que
teima em existir - sempre sabe.

o monstro, sem nada mais,
se digere pedaço por pedaço.
suas vísceras cedem à fome eterna
do seu íntimo e ele
come cada pedacinho de si próprio,
até que não sobre absolutamente nada
e tudo que já teve vida ou forma
passe a ser zero.

mas a fome persiste.

terça-feira, 10 de abril de 2018

sobre o dia.

não rimar e
remar contra a corrente
é remar contra a corrente

a corrente não me leva
mas me prende

as correntes são leves
mas é difícil me livrar
não sou livre

eu vivo o que é bom, e
o resto eu desvio
mas ainda fica em mim

a face da vida que eu mais
conheço é a troça
é o tom jocoso que está
nos monumentos
(que são lojas,
e as lojas, monumentos)

é a história do sangue e
da guerra que sobrevive às
histórias contadas e à vida vivida
de outras formas

minha vida
não tem forma
porque não foi
feita pra isso.
foi feita para negar,
não para afirmar.
minha vida tem história,
mas ninguém sabe porque
já foi apagada de todos os
lugares.

já foi o luar que nos deu vida;
agora nos mata.
O Sol que bate na janela das oito às dezoito
ou das oito às vinte e duas e quarenta e oito
ou das oito às oito às oito às oito
é açoite.

A noite revela mais que o dia,
que esconde todas as estrelas do céu
para que só uma majestosa brilhe.
Não há majestade.
Há engano. Há chicote. Há troça.

Por isso remo e rimo:
porque se não rimar,
o ritmo do remo se perde
e o rio engole todo meu riso
que recebe essas cenas ridícula
com uma raiva que escapa no haha
dos dentes. Se não escapa,
me prende, e eu não sou
mais leve. Sou pedra.