domingo, 24 de agosto de 2014

Um Dia Na Terra

Uma árvore caiu
ninguém ouviu
e se diz que não caiu
porque ninguém
queria ouvir
a alta planta
que querer, mesmo,
de verdade,
só queria,
só,
cair

sábado, 23 de agosto de 2014

Noturno movimento da tristeza

Estou triste
Uma sinfonia de tubas melancólicas toca um sofrimento melodioso
no meu silêncio
Estou triste e não sei porquê

A minha alma está como um homem que vê a cidade de noite
Num ônibus, noturno
Calado e sozinho

Tudo ao seu redor como dentro dele
Tudo é caos

Mas ele está quieto
Está quieto e está triste

Ele toma diversos veículos com pressa que vão rápido a diversos lugares - Mas
ele mesmo não sabe para onde está indo

E não é uma questão universal
(longe disso)
Ele está cagando para o Universo
Ele só queria saber o que vai fazer amanhã
E agora ele nem sabe o que quer

Está perdido
Está perdido e está triste

O cachorro da tristeza mordeu sua perna há tempos
E ele está manco
E está com medo do que os homens podem fazer com ele
Porque ele está frágil
E eles não terão piedade dele porque a piedade é sempre menor que a fome

Está com medo
Está com medo e está triste

O ônibus pára
A cidade está escura e os becos fecundam o mal
Não se deve descer ou não
.
Não há opção

Está sozinho
Está sozinho e está triste

Mas ele vai
Caminhando rumo a lugar nenhum

Está com saudades de casa
Está com frio

Como este homem está a minha alma!
Está calada
Está sozinha
Está quieta
Está perdida, manca, frágil, com medo, saudosa e com frio
Mas, acima de todas essas coisas,
Está triste!

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Preciso de Tempo

Preciso de tempo.
Preciso que as janelas se fechem,
que as vozes se calem
e que o tormento cesse.

Preciso que as linhas se façam
de maneira distinta
e que a obra não seja copia,
porém  talento.

Preciso de tempo.
Que me deixe
-Sem contar as horas-
Sozinho ao relento da inspiração.

Preciso que os incômodos sumam
na imensidão do silêncio
porque só assim conseguirei
encontrar os meus versos

A Virgem, O Músico e A Puta

α

A música não existia, foi então que eu a criei. O amor virava poesia: eu o compus e musiquei. A lira de minhas mãos – e daquele que, para mim, merecia – já mil sonhos trouxe aos que o dom da ebriedade eu dei. Agora, o real dom – do suspiro, do amor-em-verdade – parece que a mim não cabia... o vento leste tirou de mim o único homem que amei.
O sol brilhava ao meu mando em minha carruagem dourada. A luz, a vida e o mundo dos sons eu trazia, e por nada.
Os raios que então emanavam viam tudo na face da Terra: as musas, os rios e os nenéns trazidos a tiracolo. Não cedo, mas não obstante, crescia a tal “sociedade”. Ingrata segundo alguns deuses, mas é deles a humanidade... não ligo se adoram Alá, se lembram ou esquecem de Apolo. Só quero lembrar do crepúsculo mais milagroso da história – embora, até então, eu não saberia dizer se fora divino de fato. Sabia, somente, que eu amaria ainda outra vez em memória. E soube, após os milênios, chamá-la Virgem Maria.
Os sonhos também eram meus, e o sonho surgiu em punjança. Chamaram – desse caso de amor – diversos: “Divina Criança”, “Fruto dos Céus” e de “Cristo”, mas a mim era somente “O Filho”. Mais poderes que todos eu o dei, e ainda além que devia. De pronto, não me controlei: foi a força de uma paixão que saía. Foi ela, e sempre será, eu sei: a minha eterna Maria. E ele, principalmente para a desfortunada maioria, um presente aos carentes: a tão necessária (e sonhada) esperança.

β

Quem é o tal Rei dos Reis? O homem que cruza montanhas e planícies afim da paz e da vitória humana. Quer salvação, diz ele, mas eu detesto falsidade. Será ele mesmo capaz de tal perfeição? Não acho.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Debonaire.

o poeta senta-se a mesa
como Chopin ataca as teclas
ou como um cozinheiro afia a faca

dilacera sua carne em cubos
nem uma nota a menos, com
paixão obcecamos nossos vícios

ou são eles que nos obcecam?
turvos, queremos que um inferno
d’um palito de fósforo surja

essa fome cega e essa sede
do artista de se cortar em
cubos e notas mata mais à noite

quando o relento lhe faz louco
não se dá conta, o jantar
sua própria carne, servida em prata

a música ao fundo expande
mas sobra sal. cospe, vomita
sobre o tapete persa carmesim

desgosto de si é a morte
de quem escreve e toca e come
poesia, romantismo e mignon