quarta-feira, 30 de abril de 2014

Mensagens em Garrafas

Além dessas estradas
e estantes de mercados
e estandes de livretos
e distribuidores de folhetos
vejo o mar, absoluto
e contra a corrente luto, nado e remo.

Num horizonte utópico
fácil é reconhecer os erros:
estar dentro de um sonho
não é proibidor de outras manifestações oníricas
(empíricas ou não).

Sem razão de ficar
e sem embalagens especiais de compra humana e ecológica
é mais fácil voar -
ao menos até nosso zênite visível.

Vícios e carícias:
fontes maliciosas de vida e falência,
conjugam-se nobres como vendedores e empresários, destruindo os construtos mentais (seus!)

Enquanto o mar d'água, imponente e impassível
permite os navios...

Aquele oceano de ideias não sabe ser meu nem de ninguém, até que engarrafado.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Pedidos

broto militarista:
finge que és flautista
e sopra minha sorte à morte

fonte etílica
de sonhos e nexo errado:
traz a dose de
realidade
que eu tanto preciso

dançarina cadavérica:
me prende em teu ventre
infértil e inútil
para minha inércia
não ser tão...
fútil

quinta-feira, 24 de abril de 2014

A Carta Morte

Próximo a um indistinto cadáver (sabível pelo vazio em seus olhos) achou-se uma carta. Sua carne era pegajosa, conservada em lágrimas. A carta era - de modo semelhante ao corpo que a segurava - melíflua e destilante, como segue:

Aos inativos e aos desinteressados:
(também aos inconvenientes ou simples desavisados)
Sua diferença é indiferente ao sistema.
Você não faz parte da solução, mas sim
do problema.
É seu o fardo da revolução,
é seu o peso do futuro esquecido -
rompido, rasgado -
por uma ingrata geração.
Não chore mais pelo direito derramado
(há tempos ele está no chão!)
mas sim por seus gritos vãos contra nada.

Aos de base e de apoio:
(cabível aos comboios sem lei)
Seu ouro não brilha menos que seu sangue.

Aos de luta vazia:
Vamos esquentar essa sua alma fria!
Há de esperar a cadaverização
de símbolos Neves ou Maluf
para cauterizar a ferida
e demonstrar alguma ação
(relevante)?

Aos nervosos e inquietos pelo amanhã:
(cabe igualmente o escritor nesta categoria
e nesta poesia vã)
Menos hipocrisia!
Mas não deixe de fazer, não.
Nunca pode-se deixar o sonho se um dia sonhou,
tampouco pode-se abandonar o fardo
que seu antepassado não carregou.

terça-feira, 22 de abril de 2014

Novas Refelxões Sobre o Abismo

Não posso pensar no medo de vislumbrar o abismo
A cada passo mínimo me equilibro
Sobre meus pensamentos mais obscuros

Há um certo prazer em me sentir
Desequilibrado

Talvez a queda tenha um gosto
Mais sensível
Às minhas dores psíquicas
Mais sincero
Do que as sustentações em que acredito

Mas

Meu Deus, como temo o abismo!
As sombras das depressões que se desenham
Nas telas originais do ser humano
Arranham meus sentidos
A febre venenosa da descrença
(em mim, em ti, naquele, em nós)
Vai eclipsando
As certezas mais óbvias da vida

E eu
Ébrio de uma melancolia imprópria do meu tempo
Olho o abismo e vejo
Através das minhas lágrimas mais distantes
O meu reflexo dissonante
Sibilando

"Tu, alma errante
Depois de tantas siderações
De mumificações e encarnações
Mutantes
Depois de teres habitado
Estruturas indefiníveis
E os universos mais diversos
Teres superado

Aqui estás
Preso a uma carcaça orgânica
Às fatalidades biológicas
A um milhão de determinismos egoístas
Que se multiplicam em suas células vulgares
Enquanto respiras um ar
Que nem mereces

Estás condenado à dúvida
E a tua razão animal jamais conhecerá
A luz
A verdade
Porque és o mais inútil
Dentre os seres mais terríveis"

Depois de ocultações e repulsões
Mergulho no abismo
Até que, amortecido por uma ilusão
Por um feixe de ilusões perdidas
Tenho o espiríto refratado

E eu
Sóbrio de uma melancolia imprópria do meu tempo
Reflito o abismo
E não vejo mais nada

A Morte do Ourives

Eu mato o ourives quando escrevo
Derramo o sangue de seus olhos frios e cadenciados
Sobre o papel
E não estou nem aí para as jóias decassílabas
Do seu cinzel
Eu mato o ourives - sim, eu mato
Porque acredito
Que ele ainda estrangularia nossos versos com seus dedos
Perfeitos e precisos
Metrificados e petrificados
Putrefatos
Não, eu não invejo mais o ourives
Como eu fazia
Eu sinto pena das estrofes moribundas
Sacrificadas
Em nome da deusa serena
Métrica amada
Dos versos lindos, natimortos
Fetos da norma
Nas penas dos poetas mortos
Foda-se a forma
Porque a alma, quanso precisa
Que seja escrita
Jamais procura uma cadência
Pré-construída
Porque nenhum verso sussurrado
Ao pé do ouvido
Tem suas sílabas contadas
Para ser dito
Porque nenhuma rima feita
Tendo existido
Não o fez só para que o texto
Fosse bonito
A beleza da alma
Não pode ser contada
Só pode ser cantada
Mas o ourives homicida
Foi se esquecendo
E sem qualquer piedade
Foi sequestrando os significados
Esculturando as palavras em seu palácio
De convenções e mentiras
Não, não quero ser como o ourives
Quero antes ser o bárbaro que vai arrancar a cabeça do busto da deusa dos versos dosados e doentes
Quero ser o animal que vai urrar cada palavra perdida
Quero ser a pedra que, no meio do caminho, vai destruir os muros dos castelos do mundo
Quero ser a força que vai romper as fibras cardíacas em direção ao infinito
Quero imprecisar a forma e me transformar naquilo que precisa ser dito
Não, não quero ser como o ourives
Quero ser poeta
E como muitos antes de mim
Estou farto do lirismo comedido

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Voando por Praias Esquecidas

Ah, me imagino voando!
Mas não posso ficar sonhando
Tenho de ficar tentando -
até quando?

Professora solitária,
a serpente se confunde com as maçãs de nossas faces.
Toma nossas asas a si própria (a otária!)
só para jogar as bençãos do sétimo dia
a quem deseja enlaces.

Penso em cinema
Mas a garota de Ipanema
Só me dá problema

E o ócio traz maldade -
ou é tal mal que vive em ócio?
É do negócio que vem o capital
das capitais
(mais ser do sangue das almas rurais)?

Só pode: o que podemos é crer,
é solução.
Agora o problema é que se esqueceu no ar,
em vão.

E vamos voar.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

É Revolta.

Que engana e se faz bom cidadão;
que luta pela causa própria do umbigo;
que defende ideais ambíguos pela vitória;
que, sem memória, balbucia falácias e ferve
discussões e guerras por fronteiras e sexo;
você: a quem serve?

De que serve sua ignorância e quem a usa?
Quem pode ser seu dono senão teus patrões
- e patronos, e mecenas?

Seu sangue "sorvido pela causa perdida":
é perdido porque houve derrota?
Ou pois tal causa não denota vitórias?

O quê que deseja?
Ou o quem?

Astrology

Each of us is a soul
to be cherished.

We will perish,
but also blossom.

We're our blossoms,
our rich fields and gold.
Our own earth and water.

The fire deep inside
lines up the stars
which burn our lifes' own bases
leaving us mortals
in romantic stasis.

debaixo de telhados alheios

os jovens amando
alguém está chorando
ninguém se importa muito
e só se vêem tetos de argila
que, absolutos, existem
cobrindo a razões e encontros de irmãos

um "então?" esquecido
nas ruas de pedra
e praças fundadas em solos mortos e sem amor
faz-se de pão e vinho a melancolia grupal
e a alegria só
ilude os transeuntes

a beleza impotente

Ponte

Não é menos que medo
nem excede o ódio.
É o imperfeito
sem misericórdia;
é o amor de meu peito -
é o desejo que se cura.
Não é muito além da ternura
(tampouco seria se fosse real).

Com o agridoce de uma carícia,
sem despeito - com malícia! -
o encontro dos olhares se destrói
e corrói a visão dos amados.
E dói
compensando a si mesmo com um beijo rasgado.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Sistemática

Enquanto os olhos se dissolvem
fáceis
pelos rostos e diversas
faces,
essas pompas são, de todo,
inúteis
e as rondas por tais almas,
fúteis.

Quando as penas se retêm ingratas
(pelo voo e pelas cem aventuras),
quer-se depenar: errado.
Pois aquelas penas conhecem a ave que por tantos cantos as levou.

Então,
o perdão é uma desculpa inútil -
perdoe o trocadilho -
quando não quer-se mudar
de fato.
Mais que ingratos, os olhares e penas
(uma pena!)
são ilusões (talvez mentiras)
de desejos de voar e possuir.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Psiconsulta

Olha, doutor, há muito que se instala
No meu interior uma maldita
Ânsia mortal que, turbulenta, grita
Na mudez de um silêncio que não cala

Me diz, doutor, vai, por favor, me fala
De onde ela vem, se vai ser infinita
Ou se ela pode ao menos ser bonita
Se eu encontrar um jeito de expressá-la

Ah não, doutor, você não compreende
A sua ciência abstrusa, ciência fria
Até pode entender o que há comigo

Mas, se eu chorasse agora, na sua frente
Como a criança o faz (e eu nem consigo)
Nenhum discurso seu me ajudaria

terça-feira, 15 de abril de 2014

Macuneã e os Caminhos

Nos dias de sol, Macuneã olhava o azul do céu como quem namora as nuvens. “Todos formatos”, pensava, “esses corpos adotam – será que posso ser o que eu quiser?”.
E não tinha nuvens em seu corpo, nem espírito nem nada. “Então, o que posso mudar?”, indagava.
Eis que Macuneã decidiu moldar sua mente. Plantar sementes em sua própria consciência para ser, sem pressa, aquilo que sempre quis e iria querer (mesmo sem saber o que era).
--
E caminhava, em dias chuvosos, como quem admira o natural. “As nuvens são arrastadas pelo vento e pelo tempo – será que a vida moldará minhas nuvens?”, era a curiosidade.
Então deixou sua vida seguir seu rumo, sendo plateia de suas próprias conquistas. Percebeu aquele como um caminho passivo, e Macuneã não queria ser disso.
Pois foi um dia que Macuneã enfim percebeu: “Não sou nuvem, não sou alma, não sou vento e não sou tempo. Então o que sou? Sou gente.”. E dançou conforme a música (quando não lhe apetecia o tom, colocava aquele disco favorito e mudava sua dança).

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Aquela

Se coça a mão
ao tapa ou à escrita
coça a mão ou descreve o tapa?
Descreve a cena?
Escreve um mapa?
Se faz problema?

Se irrompe ao ser
querer o mais imperfeito poder,
é de causa sacra e profana:
não é o humano seu próprio deus
nem é seu deus um bom humano.

Quando rompe a película
a pressão é demais: estouram
os vasos de sangue e hipocrisia,
vazios de paixão -
mas de vitórias? Demasia.

E é heresia se contradizer
pois a suprema palavra própria é poder.
É poder ser deus e humano,
bater na tecla e escrever o tapa.
Mas é mesmo humano quem no sapiens acredita?
Mais ser um ledo engano
como quando ela não te fita (aquela).

terça-feira, 8 de abril de 2014

Ego

A desgraça do mundo do Ato
é a máscara que cobre
o autorretrato retrátil.

Sem pátio, a mente distorce
sua própria vida para ser destoante;
torce os pulsos de amantes.

Pulsantes amarras se conjugam
para libertar o escravo da vida.
Comungam a sorte.

Resmungam à morte eterna
tais vidas etéreas e instantâneas
no Inferno terreno de Dante.

E é plena a constatação dissonante:
"Se vicia-se em ser personagem
num instante vira ator de si mesmo."

É o tapa que pensa ou a mente que dói?

Córnea.

páginas de tantos livros que nunca lerei
se amarelando na estante com medo do outono
e suas folhas marrons obedecem a lei
de ventanias e abismos e poemas sem dono

desenho em meu pulso com aquela cor de anil
safira líquida que se opaca em minhas teias
liquida teu nome na pele e começa o abril
e tua marca em mim se disfarça de veias

desavença essa entre pele e caneta
que falha em refletir o que carrego
o sangue e a tinta não ficam violeta
e essa aquarela insolúvel me faz cego

mas as pétalas caem por uma razão
os galhos pelados trazem o inverno
seus olhos secos pedem a união
de cores frias na paleta do eterno

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Diáspora Mental

No caminho que vicia, a palavra
ilumina estradas tortas absortas em si mesmas.
A Palavra (esta morta) está rouca
de gritar sem escutar os urros dos sofredores de suas promessas.
Um caos coordenado por intelectos
brilhantes e de pulso firme mantém a ordem maquiada de progresso -
enquanto a peste é pesticida;
a paixão é iludida;
os sonhos são vistos por cima, como quem sonha em sonhar algo bom.

E o algo bom se vicia
na reputação da amizade, no poder do generoso.
No roubado do maldoso.

Elegias que são,
os sem energia e sem emoção não descobrem o que há por fora.
Por pouco não choram.
Por pouco não amam.
Por pouco não pensam.
Por pouco não fazem.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Meta II

Enquanto as palavras chegam a mim
Me vejo obrigado a logo livrar-me
Das ideias que correspondem, assim,
Aos versos, daqui, uniforme.
De base, romance e nanquim,
Formam uma prosa califorme.
As letras ordenam-se, enfim -
Sonhando enquanto ninguém dorme.

Conhecimento, disputas e teses
Cercam-me o ser com sua ambiguidade
(Alguns excertos valendo menos que fezes!,
Mas cá se encontram por portarem idade).

E, absorto, permeio de histórias,
De vãos pensamentos e fúteis memórias -
Com artifícios duvidáveis e humanos
(sinônimos que são) -
Os papeis desses insacros planos;
esse futuro sem passado ou emoção.

terça-feira, 1 de abril de 2014

Projeção Insegura

Qual sua cor favorita?
Você tem um melhor amigo?
Quais são seus sonhos e metas?
É pra fora ou pra dentro teu umbigo?
Quer ir morar comigo?
Quer dormir fora de casa?

Gosta de quê nas meninas?
Gosta de quê nas pessoas?
Já viu um arco-íris? É lindo!
O que acha do cenário político?
No que acredita, em nada?
Não há nada, pra você, místico?
Gosta de que tipo de livros?

De onde você veio, é longe?
Era bom?
Era melhor?
Acredita em tudo que dizem?
Você se arrepende de alguma coisa?
Você compreende o cenário completo?
Você me entende?