Não posso pensar no medo de vislumbrar o abismo
A cada passo mínimo me equilibro
Sobre meus pensamentos mais obscuros
Há um certo prazer em me sentir
Desequilibrado
Talvez a queda tenha um gosto
Mais sensível
Às minhas dores psíquicas
Mais sincero
Do que as sustentações em que acredito
Mas
Meu Deus, como temo o abismo!
As sombras das depressões que se desenham
Nas telas originais do ser humano
Arranham meus sentidos
A febre venenosa da descrença
(em mim, em ti, naquele, em nós)
Vai eclipsando
As certezas mais óbvias da vida
E eu
Ébrio de uma melancolia imprópria do meu tempo
Olho o abismo e vejo
Através das minhas lágrimas mais distantes
O meu reflexo dissonante
Sibilando
"Tu, alma errante
Depois de tantas siderações
De mumificações e encarnações
Mutantes
Depois de teres habitado
Estruturas indefiníveis
E os universos mais diversos
Teres superado
Aqui estás
Preso a uma carcaça orgânica
Às fatalidades biológicas
A um milhão de determinismos egoístas
Que se multiplicam em suas células vulgares
Enquanto respiras um ar
Que nem mereces
Estás condenado à dúvida
E a tua razão animal jamais conhecerá
A luz
A verdade
Porque és o mais inútil
Dentre os seres mais terríveis"
Depois de ocultações e repulsões
Mergulho no abismo
Até que, amortecido por uma ilusão
Por um feixe de ilusões perdidas
Tenho o espiríto refratado
E eu
Sóbrio de uma melancolia imprópria do meu tempo
Reflito o abismo
E não vejo mais nada
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