terça-feira, 22 de abril de 2014

A Morte do Ourives

Eu mato o ourives quando escrevo
Derramo o sangue de seus olhos frios e cadenciados
Sobre o papel
E não estou nem aí para as jóias decassílabas
Do seu cinzel
Eu mato o ourives - sim, eu mato
Porque acredito
Que ele ainda estrangularia nossos versos com seus dedos
Perfeitos e precisos
Metrificados e petrificados
Putrefatos
Não, eu não invejo mais o ourives
Como eu fazia
Eu sinto pena das estrofes moribundas
Sacrificadas
Em nome da deusa serena
Métrica amada
Dos versos lindos, natimortos
Fetos da norma
Nas penas dos poetas mortos
Foda-se a forma
Porque a alma, quanso precisa
Que seja escrita
Jamais procura uma cadência
Pré-construída
Porque nenhum verso sussurrado
Ao pé do ouvido
Tem suas sílabas contadas
Para ser dito
Porque nenhuma rima feita
Tendo existido
Não o fez só para que o texto
Fosse bonito
A beleza da alma
Não pode ser contada
Só pode ser cantada
Mas o ourives homicida
Foi se esquecendo
E sem qualquer piedade
Foi sequestrando os significados
Esculturando as palavras em seu palácio
De convenções e mentiras
Não, não quero ser como o ourives
Quero antes ser o bárbaro que vai arrancar a cabeça do busto da deusa dos versos dosados e doentes
Quero ser o animal que vai urrar cada palavra perdida
Quero ser a pedra que, no meio do caminho, vai destruir os muros dos castelos do mundo
Quero ser a força que vai romper as fibras cardíacas em direção ao infinito
Quero imprecisar a forma e me transformar naquilo que precisa ser dito
Não, não quero ser como o ourives
Quero ser poeta
E como muitos antes de mim
Estou farto do lirismo comedido

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